Ao iniciar uma safra, o produtor investe em diversas tecnologias consideradas essenciais para o sucesso da lavoura, dentre elas, as sementes. O uso de sementes de alta performance com qualidade física, genética, psicológica e sanitária contribui para o adequado estabelecimento de plantas no campo.
A partir do momento em que as sementes são depositadas no solo, estas ficam sujeitas ao ataque de patógenos radiculares, dentre estes os nematoides, que se aproveitam da fase inicial das plântulas para adentrar nas raízes e estabelecerem os sítios de alimentação.
Principais espécies de Nematóides
No Brasil, as espécies mais relevantes nos sistemas de produção de grãos e fibras são: nematoides de cisto da soja (Heterodera glycines), nematoidedas-das-lesões radiculares (Pratylenchus brachyurus), nematoide-das-galhas (Meloidogyne javanica e M. incognita) e nematoide reniforme (Rotylenchulus reniformis).
Na região centro-oeste, a distribuição e frequência de ocorrência das espécies têm sido com a seguinte ordem de importância: P. brachyurus > H. glycines > M. javanica > M. incognita > R. reniformis.
O nematoide espiralado (Helicotylenchus dihystera), anteriormente considerado como secundário, tem ganhado destaque em áreas cultivadas com grãos e se encontra amplamente disseminado pelo Brasil.
Outras espécies emergentes para a cultura da soja são Aphelenchoides besseyi (agente etiológico da soja louca II), Scutellonema brachyurus e Tubixaba tuxaua.
O reconhecimento das espécies de nematoides é considerado o primeiro passo a ser seguido para estabelecer estratégias de controle, o qual é realizado por meio de observações visuais do sistema radicular das culturas no campo e mediante análises laboratoriais. Independente da cultura atacada, os nematoides são capazes de consumir grande parte da produção e gerar perdas econômicas consideráveis ao produtor, sendo necessária a adoção de medidas de controle para evitar tais perdas. Entre as medidas, o tratamento de sementes tem se destacado nas últimas safras.
Nematoides x tratamento de sementes
O tratamento de sementes é uma prática difundida na maioria das propriedades rurais, pois não requer elevados investimentos e, normalmente, proporciona boa efetividade ao sistema de cultivo. Além disso, as empresas têm investido muito em pesquisas para garantir o melhor recobrimento e aderência dos produtos aplicados sobre as sementes, bem como o uso combinado de diferentes defensivos, como por exemplo, fungicidas, inseticidas e nematicidas.
No manejo integrado de nematoides, duas ferramentas contemplam estratégias que podem ser usadas no tratamento de sementes, que são: (I) controle químico; e (II) controle biológico. Entretanto, é importante ressaltar que, para o emprego destas ferramentas, o produto deve, obrigatoriamente, ter o registro no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) para a cultura e o alvo a ser controlado.
Controle químico
Por muitos anos, o controle químico de nematoides foi julgado por ser extremamente tóxico ao aplicador e ao ambiente. No passado, os nematicidas eram classificados como fumigantes, devido às suas características de movimentação no solo.
Atualmente, o cenário mudou e o uso de nematicidas não fumigantes foi conquistando espaço. Esta nova geração de nematicidas permite a aplicação nas sementes, no solo e a percolação na água disponível junto às partículas, evitando possível distribuição em profundidade e ofertando menor espectro de ação contra outros microrganismos presentes na rizosfera, problema recorrente com os nematicidas fumigantes.
Um dos nematicidas químicos mais usados no tratamento de sementes para o controle de nematoides está no grupo das avermectinas, cujo princípio ativo é a abamectina, que atua nos canais de cloro mediados pelo glutamato no sistema nervoso do nematoide. Outros princípios ativos muito utilizados são o imidacloprido + tiodicarbe.
O imidacloprido pertence ao grupo dos neonicotinoides, que atua no sistema nervoso, imitando os efeitos do neurotransmissor acetilcolina. O tiodicarbe é do grupo dos metilcarbamatos de oxima, que também atua no sistema nervoso central, porém, inibindo a ação da acetilcolinesterase (enzima responsável pela degradação da acetilcolina e bloqueio da transmissão dos impulsos nervosos).
Algumas controvérsias são levantadas quanto ao tratamento químico de sementes para o controle de nematoides, as quais estão relacionadas ao fato de a maioria dos produtos terem efeito residual curto, protegendo as raízes nos primeiros 30 dias de cultivo. No entanto, esta proteção do desenvolvimento das raízes nos primeiros dias ou semanas após a emergência é considerada essencial, pois permite que as plantas se estabeleçam suportando o ataque de nematoides, garantindo o estabelecimento de um ótimo potencial produtivo.
Controle biológico
Com o despertar de uma agricultura sustentável, alavancou-se o setor dos biológicos no País e muitas empresas estão investindo nos estudos com microrganismos capazes de parasitar e controlar os nematoides.
A atuação desses agentes de biocontrole permite uma ação direta aos nematoides e é capaz de permanecer no sistema de cultivo por mais tempo que os produtos químicos. A atuação dos produtos biológicos é baseada na relação antagônica entre microrganismo e topatógenos, caracterizado por diversos modos de ação: antibiose, predação, indução de resistência pela planta hospedeira, micoparasitismo, competição por nutrientes, entre outras.
Fungos e bactérias
Atualmente, os agentes biológicos mais pesquisados e difundidos para controlar nematoides são os fungos e as bactérias. Os fungos hematófagos possuem maneiras para capturar e parasitar os nematoides, sendo caracterizados pelas formas de alimentação: endoparasita, predadores, oportunistas e os que produzem metabólitos tóxicos aos nematoides.
Os fungos oportunistas, como Purpureocillium lilacinum e Pochonia chlamydosporia, são frequentemente usados como nematicidas biológicos e são específicos em parasitar ovos e fêmeas de nematoides. A principal vantagem destas espécies é a sobrevivência saprofítica, ou seja, na ausência de nematoides para serem parasitados, conseguem sobreviver na matéria orgânica do solo.
As bactérias com características nematicidas podem, de maneira geral, ser distribuídas em dois grupos: (i) as obrigatórias (Pasteurias); e (ii) as não obrigatórias (rizobactérias). As Pasteurias geralmente são específicas em parasitar determinados gêneros de nematoides. Como exemplo, as Pasteuria penetranse, P. thornei são específicas em parasitar Meloidogyne spp. e Pratylenchus spp., respectivamente.
Pesquisas
Diversas pesquisas com estas bactérias estão sendo realizadas, mas somente a Pasteuria nishizawae está registrada no MAPA para o controle do nematoide de cisto da soja. As Pasteurias são extremamente resistentes à dessecação e às altas temperaturas, tornando-se potencial agentes de biocontrole nas condições de cultivo em ambientes tropicais.
No grupo das rizobactérias estão os dois gêneros mais difundidos e estudados para o controle de nematoides: Pseudomonas e Bacillus. A Pseudomonas mais estudada para controlar nematoides é a espécie P. uorescens, que possui seus efeitos nematicidas principalmente contra Meloidogyne spp.
As bactérias do gênero Bacillus possuem rápida colonização e boas características para serem produzidas em escala comercial, despertando o interesse de empresas do segmento. Estas, além de promotoras de crescimento, são capazes de produzir metabólitos tóxicos aos nematoides, formando uma barreira de proteção no sistema radicular, desorientando os nematoides, além de competir por nutrientes e espaço com os patógenos, ou ainda, induzir resistência à planta.
As espécies de Bacillus mais utilizadas no controle de nematoides em diversas culturas são: B. subtillis, B. licheniformis, B. amyloliquefaciens, B. methylotrophicus e B. rmus.
Integrando ferramentas
Tanto o controle químico quanto o biológico são ferramentas aliadas do manejo integrado de nematoides, haja vista que nas áreas problemáticas têm-se populações mistas, ou seja, presença de mais de um gênero de nematoide.
Nestas condições, é impossível adotar, de maneira ecaz, o controle genético, por exemplo. Isso é facilmente compreendido, uma vez que no mercado não há cultivares que apresentam resistência a todas as espécies de nematoides. Desta forma, o uso do tratamento de sementes, aliado a uma fonte de resistência genética, pode ser uma boa estratégia de controle, pois as espécies de nematoides não suprimidas pelo fator genético poderão ser controladas por um produto químico ou biológico aplicado nas sementes.
Tratamento de Sementes
O tratamento de sementes também complementa o controle cultural de nematoides. Quando se fala em rotação de culturas, algumas espécies de coberturas vegetais são resistentes ou antagônicas a uma determinada espécie de nematoide e suscetível a outra.
Nestes casos, fazer o tratamento de sementes das culturas de cobertura com produtos biológicos pode ser uma estratégia para antecipar a adaptação e controle dos nematoides no solo para as culturas subsequentes.
Por fim, o produtor deve ter sempre em mente que o uso isolado de uma determinada medida de controle não irá proporcionar resultados satisfatórios quanto à supressão de nematoides. O sucesso no seu controle dependerá da utilização integrada de várias medidas.
Publicado na Revista Campo & Negócios, (ISSN 2359-5329), Uberlândia – MG, ed.222, p.36-39, setembro/2021
autores:
Rayane Gabriel da Silva
Engenheira agrônoma, mestra, pesquisadora e nematologista - NemaBio Laboratório e Pesquisa Agronômica
Claudinei Kappes
Engenheiro agrônomo, doutor e
pesquisador em Fertilidade do Solo e
Adubação - NemaBio Laboratório e
Pesquisa Agronômica